José Augusto Maciel Torres
O pensador Voltaire afirmou certa vez que “se Deus não existisse seria preciso inventar”. Verdade ou não, esta frase nos faz somente parar pra refletir e tentar compreender o quanto é complexa a influência social de Deus e, consequentemente, a participação das religiões como condutoras de fatos históricos e sociais. Existem múltiplas maneiras de se chegar até Deus. Cada religião determina uma. Será que as artes marciais também podem ser uma destas maneiras condutoras da chegada do homem ao lado do Criador?
Historicamente, jamais encontraremos um povo que não tenha tido suas relações com o “divino”. Seja esta forma de Deus uma imagem antromórfica, ou seja, semelhança do homem, ou panteísta, em que as manifestações da natureza representam a divindade. Definindo assim as características sociais de cada civilização. Possibilitando a criação de milhares de religiões que se fortalecem ou enfraquecem através dos séculos. Muitas vezes fazendo que pessoas se iludam e invertidamente se salvem ou ainda se domestiquem. Tal como foi feito com os mongóis, pelos monges budistas do Tibet. Haja vista que através da “pacificação `´feita aos mongóis por estes monges, eliminou-se as invasões periódicas que durante quinze séculos ameaçaram as áreas circundantes da Mongólia.
As artes marciais sempre tiveram uma relação muito próxima da religiosidade. É importante não esquecermos que no passado as técnicas de lutas marciais eram privilégios dos monges e demais pessoas sensíveis; além disso, durante certos períodos épicos nipônicos, os guerreiros marciais na velhice passavam a se dedicar à religiosidade, chegando muitos deles a se tornarem monges e lideres espirituais.
Infelizmente, devido a toda uma herança histórica deformada, nós ocidentais somente pegamos a parte esportiva das artes marciais e também as fundamentações bélicas. Afastando todo o cunho de religiosidade e filosofia que estão acoplados ás lutas. Não somente as de natividade oriental, mas também a nossa própria Capoeira em sua origem, se alia ás manifestações divinatórias africanas.
Tivemos no Ocidente uma idade medieval que se caracterizou pela centração do pensar do homem em Deus.Foi o TEOCENTRISMO. Posteriormente, entramos na Idade Moderna, em que o homem procura separar a fé de razão, fortalecendo o racionalismo e proporcionando a separação da filosofia e da teologia. Possibilitando, através das idéias de Francis Bacon e de Galileu, o surgimento da ciência com bases independentes. Nesta idade histórica, a caracterização do pensar humano foi ANTROPOCÊNTRICA. Daí, na atualidade, estamos vivendo a idade contemporânea, quando centramos o nosso pensar no TECNOCENTRISMO, ou seja, a máquina e a ciência dominam o raciocínio humano. Mas o que fundamenta toda a concepção de Deus no Ocidente são os preceitos cristãos, segundo os quais a imagem do homem é espelhada na semelhança de um Deus que se encontra no céu, pondo-se como centralização das idéias, as concepções exteriorizadas do divino.
No Oriente, toda a visão de Deus, na maioria das religiões, se difere do pensar teocentrista ocidental que fez com que tenhamos uma desvalorização das atividades físicas e consequentemente da harmonia somática, conseguida através de exercícios corporais. Enquanto no Oriente as principais religiões valorizavam a atividade física. Tanto que um dos focos do surgimento das artes marciais na China deu-se graças a um monge budista, de origem indiana, cujo nome era Daruma Dashi (Bodhidarma para os indianos e Ta Mo para os chineses). Começando este monge inicialmente a ensinar no Templo de Shaolin, onde ficou hospedado, e posteriormente residiu, a prática da meditação Zen aliada ás técnicas de lutas do Vajramushti, antiga arte marcial indiana.
O cristianismo, com suas concepções de exteriorização e de um Deus distante do homem – e em um céu acima de nós – , somente chegou ao Japão (país dos samurais, ninjas e historicamente marcial) em 1549, levado por São Francisco Xavier. No inicio, teve boa aceitação.Só que depois o povo nipônico percebeu que era uma investida européia para o total domínio cultural, começando então uma perseguição aos cristãos. Sendo que em 1657 houve a crucificação de 26 seguidores de Cristo, na cidade de Nagasaki.
Alguns historiadores afirmam que em cartas enviadas ao papa por São Francisco Xavier – introdutor do cristianismo no Japão – este afirmava: “é muito difícil conseguir prosélitos neste povo, pois os mesmos têm uma concepção religiosa de interiorização, que não conseguem admitir um Deus no céu. Para estes, Deus está na natureza e dentro de cada um de nós. Para chegar até Ele é preciso meditar e fazer atividades físicas. Somente então se tem uma paz e harmonia com vencimento do guerreiro interior. O interessante é que eles tentam conseguir isso através de lutas bélicas, chegando ao ponto de ,se forem derrotados, fazer uso da morte, através do suicídio. Devido a certeza da elevação da energia interna”
O Taoísmo nos ensina, por meio de concepções filosóficas , que somente se chegara á harmonia e a plena consciência de suas limitações, através do controle do nosso EU e acoplamento com as forças da natureza. Isto é conseguido com a prática das artes marciais, não com concepções bélicas e sim transcendentes. Estes estágios não é conseguido em um ou dois anos, mas em inúmeros dias de treinamento e burilamentos espirituais buscados com correções na respiração, equilíbrio psicossomático, meditação, concentração e afins. Dando ao nosso “guerreiro interior” condições de se afirmar e domesticar. Resultando no praticante uma sensação de paz, eliminação da ansiedade, maiores sensibilidades, pensamentos mais fluentes, eliminação dos enraizamentos cartesianos e positivas ocidentais, valorização da beleza da vida etc.
Se pela pratica das artes marciais podemos chegar a não-violência ,que é a máxima do pensador político indiano MAHATMA GAHDY, podemos afirmar,sem medo de errar, que estas mesmas marcialidades podem nos conduzem até Deus.
AFINAL, O QUE É DEUS?
Uma energia que nos quer felizes, saudáveis, equilibrados e conscientes de nossas participações sociais. As artes marciais nos ofertam isso . Homens que atingem altos níveis na marcialidade, em todos os setores psicobioespirituais, se apresentam menos violentos, educados, em paz consigo mesmos e sabedores dos seus deveres e direitos sociais, respeitando então os direitos dos demais seres humanos.
O pensador MIKHAIL BAKUNIN afirmou: “A escravidão de um SÓ ser humano é a escravidão de TODOS; jamais se pode ser livre se existir um escravo ao teu redor”. Com isso nos questionamos: “Como um homem pode ser feliz e livre, se é escravo dele mesmo? “A resposta está no fato de termos como maior inimigo nós mesmos – o famoso “guerreiro interior”. Encontrado a liberdade do seu EU, o homem será feliz e pode chegar ao paraíso, estando na prática das artes marciais este caminho, pois com o domínio interior, os pensamentos negativos e paupérrimos serão castrados, dando lugar a fluência no raciocínio, ponto que afasta a inveja,mesquinharia, rancores, vingança etc.
O homem para chegar a Deus deve se assemelhar a uma criança. Isso em pureza no pensar e agir. Mas somente poderão assim agir, aqueles que se controlam internamente, evitando malefícios individuais e sociais, resultantes do empobrecimento do espírito. Fundamentado na realidade de o ser humano não ser somente físico e sim social e moral, valores adquiridos com a elevação espiritual.
Foi devido a isso que desde o surgimento das artes marciais existe ao seu redor concepções filosóficas e religiosas de caráter universal, permitindo aos praticantes uma plena harmonia psicobioespíritual, obrigando o homem a se aproximar da energia maior do universo: DEUS. |